Os impulsos nociceptivos da acupuntura, uma vez gerados, são conduzidos da periferia para o sistema nervoso central (SNC), através de tratos de projeção rostral como o sistema lateral da dor representado pelos tratos neoespinotalâmico e neotrigeminotalâmico (envolvidos com a natureza, magnitude e localização da dor) e pelo sistema medial da dor o qual contém os tratos paleoespinotalâmico (emoções e regulação do tono muscular), espinomesencefálico (reações neurovegetativas, defesa e sistemas descendentes inibitórios), espinoreticulotalâmico (alerta, tono, automatismo, atividades neuroendócrina e neuroimune, emoções, reações neurovegetativas), espinoamigdaliano (comportamento, reações neurovegetativas, localização, congelamento, midríase, reações cardiorespiratórias, medo, memória) e pós-sináptico do funículo posterior (dor visceral).
O potencial de ação nociceptivo do estímulo da agulha de acupuntura alcança a medula espinal e diversas áreas encefálicas representadas pela matriz da dor que encerra os córtices somatossensorial (S1 e S2), insular, giro do cingulado anterior e pré-frontal, hipotálamo, hipocampo, substância cinzenta periaquedutal (PAG) além de outras áreas como os córtices parietal e pré-motor, o tálamo, amígdala e o vermis cerebelar.
O envolvimento de amplas áreas encefálicas confere à dor um caráter tridimensional, isto é, sensitivo-discriminativo, afetivo-motivacional e cognitivo-avaliativo.
Através da ressonância magnética funcional (fMRI) demonstra-se que a acupuntura recruta uma rede encefálica com ampla distribuição cortical, subcortical e do tronco encefálico que se superpõe às áreas envolvidas com a dor exercendo, porém, efeito oposto à dor através de mediação predominantemente opioidérgica e monoaminérgica4.
Dentre os quatro processos formadores da nocicepção: transdução, transmissão, modulação e percepção, a ação da acupuntura engloba ¾ destes eventos (exceção à transmissão).
Mecanismos de ação da Acupuntura: Contra-irritação
Tecnicamente, a acupuntura pode ser considerada uma técnica de contra-irritação. Entre os principais mecanismos envolvidos na analgesia por acupuntura estão o controle inibitório nocivo difuso e hiperestimulação.
A analgesia por contra-irritação é aquela decorrente da aplicação de um estímulo nocivo em uma parte do corpo, o que provoca inibição da dor em outra parte. Diferentes técnicas têm sido utilizadas na contra-irritação: termoterapia por bolsa de água quente/fria, estimulação elétrica, aplicação de irritantes, etc.
Entre eles, a acupuntura se destaca pela simplicidade, alta eficácia, baixo custo, elevada reprodutibilidade e por ser minimamente invasiva.
Mecanismos de ação da Acupuntura: Controle inibitório nocivo difuso (CIND)
O controle inibitório nociceptivo difuso (CIND) é um fenômeno pelo qual todas as atividades dos neurônios convergentes medulares (corno dorsal da medula espinal – CDME) são inibidas por estímulos nocivos aplicados em áreas remotas (à dolorida) do corpo (contra-irritação).
O controle inibitório nociceptivo difuso ocorre em vários níveis do CDME e constitui um feedback negativo para a nocicepção. A inibição tem como característica a participação de estruturas suprassegmentares – núcleo magno da rafe e, RVM (medula rostro ventro medial) (serotonina); lócus coeruleus e DLPT (tegumento pontino dorso lateral) (noradrenalina); PAG, hipotálamo, hipófise (peptídeos opióides) – acionadas por estímulos de baixa freqüência e alta intensidade (acupuntura). É característico na inibição descendente de origem suprassegmentar a depressão na velocidade média de descarga dos neurônios convergentes do CDME e a modificação das oscilações harmônicas e da dinâmica não linear (dimensionalidade) das descargas.
O controle inibitório nociceptivo difuso exige a integridade de alças mantenedoras responsáveis pela depressão dos reflexos nociceptivos cutâneos e viscerossomáticos bem como para o sucesso da analgesia por acupuntura. Estas alças incluem um ramo ascendente excitatório via funículo ventrolateral e um descendente inibitório via funículo dorsolateral. Desta forma, a integridade da medula espinhal é fundamental para a resposta plena à acupuntura como comprovado pela facilitação ao reflexo flexor.
Exemplo típico de controle inibitório nociceptivo difuso é a inibição de potenciais nociceptivos no núcleo caudal do trigêmeo (gerados por estimulação pulpar), após aplicação de acupuntura no ponto Zu San Li (E 36). Claramente se comprova que a liberação do neurotransmissor peptídeo opióide (POE) metencefalina ocorre em nível cervicotrigeminal e não em nível lombar. A naloxone, antagonista do neutrotransmissor (NT) encefalina, administrada endovenosamente reverte a inibição e, portanto a analgesia.
O controle inibitório nociceptivo difuso obtido pela acupuntura reflete a exaltação do sistema inibitório descendente medular representado por diferentes NTs: peptídeos opióides, serotonima (5-HT), noradrenalina (NE), GABA (ácido gama aminobutírico), glicina, proteína relacionada ao gene da calcitonina, somatostatina, etc. indicando claramente a ativação simultânea de diversas áreas relacionadas com a dor e com a antinocicepção.
Demonstra-se também que a acupuntura pode determinar inibição do tipo segmentar, quando a inibição ocorre no segmento correspondente à área inervada (dolorida). Tal inibição parece ser mediada via GABA e ocorre quando o agulhamento é realizado próximo ou na própria área dolorosa. Também se demonstra analgesia via inibição heterossegmentar (proprioespinhal).
Mecanismos de ação da Acupuntura: Hiperestimulação
O mecanismo proposto por Melzack, de hiperestimulação, baseia-se na excitação de um grupo de neurônios da medula espinhal por fibras finas e grossas (advindas de uma região corporal). Esta excitação alcança níveis superiores e uma cascata central representada por um sistema de projeções inibitórias que se origina na formação reticular do tronco cerebral modula a atividade nervosa em diferentes níveis.
A perda de impulsos para o sistema enfraqueceria a inibição e o aumento dos impulsos sensoriais ou a estimulação elétrica (eletroacupuntura) aumentaria a inibição.
De fato, diversos autores demonstram através de imunocitoquímica a proteína c-Fos, indicadora da ativação de diferentes sítios cerebrais após eletroacupuntura em alta (100 Hz) e baixa (2 Hz) freqüências. Pam e cols demonstram via expressão do proto oncogene c-Fos a ativação por eletroacupuntura dos núcleos hipotalâmicos paraventricular e mais intensamente do núcleo arqueado. A partir deste núcleo emerge uma via opioidérgica que alcança a PAG, RVM importantes na analgesia por acupuntura.
Também, via hipotálamo a acupuntura estimula a hipófise anterior determinando aumento da expressão do proto oncogene c-Fos em células hipofisárias com reação positiva para ACTH e beta endorfina. Logo após a acupuntura, no sangue periférico, demonstra-se aumento dos níveis plasmáticos daquelas substâncias as quais concorrem para analgesia central e periférica.
Médico especialista em Acupuntura, formado pela Faculdade de Medicina da USP, com especialização e pós-graduação em Acupuntura na China. Fundador e Coordenador do CEIMEC. Doutorado em Ciências pela USP. Professor Colaborador do Instituto de Ortopedia do HC-FMUSP.