Acometendo cerca de 1 a 3% da população adulta de ambos os sexos [1-3], a Epicondilite Lateral é um quadro degenerativo centrado no cotovelo e antebraço do paciente cuja patologia é gerada por afecções degenerativas de tendões do epicôndilo lateral [1, 4]. Embora seu sufixo ‘-ite’ sugira inflamação, quadros inflamatórios ou suas consequências clássicas não são observadas em todos os casos.
Com uma patogênese ainda não muito bem definida [5], a Epicondilite Lateral é caracterizada pela presença de microlesões no extensor radial curto do carpo muitas vezes devido a esforços repetitivos [6-8], levando a modificações celulares e metabólicas [9]. Como consequência, a função do membro pode ser afetada [10, 11]. Seu diagnóstico, principalmente clínico [3, 4, 12], envolve testes como o de Cozen, teste de Mill, teste de Maudsley, teste da cadeira [12, 13], além de anamnese do paciente. Ultrassonografia e ressonância magnética são aliados como exames complementares para diagnóstico [8].
Muitos pacientes apresentam melhoria dos sintomas dolorosos com tratamentos convencionais – isto é, não cirúrgicos -, envolvendo técnicas medicamentosas e não medicamentosas [14-17]. Ainda, uma porcentagem pode apresentar remissão espontânea deste quadro [9, 14]. Entretanto, em alguns casos, a cirurgia pode ser indicada [1]. Convencional ou não-convencional, o tratamento para a Epicondilite possui os mesmos objetivos: redução da dor, preservação do movimento, melhoria da força de preensão, restauração da função normal e prevenção de maiores deteriorações [4, 5, 11].
Ainda, considerando suas diversas causas e que seu tratamento consiste principalmente no controle da dor, a Epicondilite Lateral é uma patologia que exige tratamento multidisciplinar. Nesse ponto, a acupuntura pode ser um grande aliado a um possível tratamento para esta patologia.
Considerada promissora para tratar os sintomas dolorosos da Epicondilite Lateral pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) em 2000 [18], a acupuntura é uma técnica derivada da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) que defende a estimulação de pontos específicos para o reestabelecimento do equilíbrio do corpo e, portanto, melhoria de quadros patológicos [19, 20]. A MTC sugere que a Epicondilite Lateral seja uma patologia causada pela estagnação de Qi e Sangue (Xue) no Canal principal Yang Ming da mão [11, 13] e, portanto, estímulo desses pontos podem melhorar este quadro. Hoje, mecanismos adjacentes da acupuntura demonstram bases biológicas para auxílio do controle da dor, como liberação endógena de neurotransmissores e possível ativação mecânica dos mesmos [20, 21].
De fato, algumas revisões, embora conflitantes [5], têm demonstrado os efeitos positivos desta técnica para a diminuição dos sintomas dolorosos e aumento da funcionalidade do membro afetado por essa afecção degenerativa especialmente a curto e médio prazo [20, 22].
Uma revisão recente publicada em 2020 incluiu 10 estudos diferentes com critérios de alocação randomizada e com risco de viés bastante diversos entre os estudos selecionados. No todo, a revisão envolveu 726 voluntários, demonstrando que, em suma, a acupuntura parece possuir maior eficácia clínica se comparado com acupuntura simulada, uso de medicamentos e terapia de bloqueio. Pela maioria dos artigos selecionados serem publicados em chinês, os autores desta revisão relataram dificuldade de explicar o método de randomização dos mesmos [23].
A revisão de Trinh e colaboradores, publicada em 2004 e talvez a mais conhecida nesta área, concluiu, com o levantamento de seus estudos, embora heterogêneos, que a acupuntura pode possuir uma grande eficácia no controle da dor. Mesmo com dados positivos, os autores da revisão reforçam a necessidade de mais pesquisas na área para conclusões mais fortes [24].
Outros trabalhos experimentais também possuem como objetivo observar as consequências da acupuntura no quadro de Epicondilite Lateral. Em um trabalho de conclusão de curso defendido em 2017, o Método de Três Agulhas e a Auriculoterapia foram propostos para o tratamento da Epicondilite [11]. Ambas metodologias são derivados da acupuntura da MTC. O Método de Três Agulhas, desenvolvido pelo Dr. Jin Hui, utiliza a combinação de apenas três pontos de acupuntura para o tratamento – IG10, IG11 e P5 -, sendo eles bilaterais, unilaterais, ou uma ambos. Já a auriculoterapia utiliza a estimulação de pontos específicos presentes no ouvido externo do paciente.
Ambos métodos foram empregados em um estudo de caso de um paciente, homem, 36 anos, jogador de tênis e com Epicondilite Lateral, e seu tratamento consistiu em 10 sessões totais, 2x por semana com o Método Três Agulhas, e 1x para auriculoterapia. O paciente demonstrou, ao final das sessões, melhora nos sintomas dolorosos e em medidas de qualidade de vida. Entretanto, frisa-se que o estudo é um estudo de caso e, então, uma maior amostragem deve ser realizada para conclusões mais fortes.
Um estudo publicado em 2019 por Bostrom e colaboradores [10] comparou a acupuntura com a terapia manual para melhoria dos sintomas da Epicondilite Lateral. Esse trabalho, composto por 36 voluntários adultos entre 18 e 67 anos sem tratamento prévio de injeção de corticoides, teve distribuição aleatorizada dos participantes nos seguintes grupos: i) apenas exercício excêntrico, composto por um programa diário de exercícios para fortalecer músculos extensores e tendões, ii) exercício + acupuntura, esta segundo os pontos da MTC com estimulação de pontos pré-selecionados, e iii) exercício + terapia manual.
O tratamento foi feito por um período de 12 semanas. Como análise, foram incluídos dor relatada, nível de incapacidade do membro, e satisfação dos participantes com o tratamento. Entretanto, os autores não conseguiram uma taxa maior de 80% de continuidade de nenhum dos grupos montados – embora o índice de desistência entre eles fosse similar – impossibilitando maiores conclusões sobre o tratamento. Como piloto, o estudo reforça que a alocação aleatória foi bem realizada, e os próximos estudos deverão ser igualmente randômicos mas, possivelmente, com amostras maiores.
A fim de observar se o lado de aplicação da acupuntura pode influência na melhora dos pacientes, um estudo piloto de Shin e colaboradores em 2013 teve como objetivo comparar a acupuntura ipsilateral, contralateral, e simulada [25]. Neste estudo, 45 indivíduos com idades dentre 19 e 65 anos e sintomas dolorosos a pelo menos 4 semanas serão aleatoriamente alocados a estes 3 grupos.
Os grupos ipsilateral e contralateral receberão a terapia nos pontos LI4, TE5, LI10, LI11, LU5, LI12 e dois pontos Ashi, alterando o lado em que forem tratados, enquanto o grupo simulado receberá tratamento em pontos não relacionados usando método não-invasivo. Todos os participantes participarão de 10 sessões ao longo de 4 semanas, cada sessão de 20 minutos. Embora bastante promissor, este estudo parece estar ainda recrutando participantes para conclusões mais fortes. Não foi possível encontrar outros trabalhos do grupo com essa metodologia.
Outros estudos sobre acupuntura e epicondilite lateral
Além destes trabalhos, finalizados ou em fase de recrutamento, outros estudos propõem comparar o tratamento da acupuntura com outros trabalhos convencionais já bem estabelecidos para a Epicondilite Lateral.
Em 2020, um estudo coorte realizou a comparação entre o grupo acupuntura e pacientes com injeção de glicocorticoides [16]. O estudo foi acompanhado durante seis meses, possibilitando conclusões a longo prazo da eficácia das terapias. E, de fato, essa melhora foi apenas observada nesse último tempo escolhido em ambos grupos, e não após 0 ou 3 meses da intervenção. Aos seis meses, ponto em que ambas terapias demonstraram eficácia, a acupuntura parece ter uma eficiência um pouco superior à injeção de glicocorticoides. Entretanto, é importante salientar que ambas técnicas foram feitas apenas uma vez em cada paciente, podendo essa baixa frequência impactar o tempo pós-exposição para melhoria.
A acupuntura também foi comparada com a terapia por ondas de choque extracorpórea [26], técnica já bem estabelecida para o tratamento da Epicondilite Lateral. Neste estudo, 34 voluntários foram alocados entre tratamento com ondas de choque aplicadas na origem extensora comum do cotovelo afetado por 3 semanas, 1 sessão/semana, e outros alocados no grupo acupuntura feito sob protocolo padrão com estimulação de seis pontos por 3 semanas, duas sessões/semana.
Para análise final, os seguintes parâmetros foram escolhidos: medidas de dor, força de preensão e nível de comprometimento funcional. Todos os participantes foram avaliados imediatamente antes, imediatamente após, e depois de duas semanas. Embora ambos os grupos apresentaram melhoria em relação à linha de base quando comparados a escala de dor, não houve diferenças significativas entre os grupos em qualquer momento da avaliação.
Ambos grupos apresentaram melhoria em relação à linha de base quando a escala de dor foi comparada. Não houve melhorias na força de preensão e prejuízo funcional.
Os efeitos terapêuticos da acupuntura tradicional também foram comparados com uma derivada chamada de “fire needle”, em tradução-livre de agulhamento quente. A técnica de agulhamento quente segue um protocolo de pré-aquecer a agulha de acupuntura por um isqueiro e então colocá-la nos pontos pré-determinados.
Sugere-se que a técnica possua efeitos tanto de estimular os pontos de acupuntura como de monabustão, promovendo a circulação do sangue e eliminando a estase sanguínea. Publicado por Wu e colaboradores em 2019 [27], 38 participantes com dores persistentes por ao menos dois meses foram voluntários nesse estudo piloto.
O estudo foi cego para o avaliador – uma vez que não pôde ser cego ao aplicador ou ao voluntário, e foi controlado de forma randomizada. Os voluntários foram aleatoriamente alocados para o grupo agulhamento quente e 17 para o grupo de acupuntura. Como resultado, os pesquisadores observaram que os voluntários alocados para o agulhamento quente tiveram melhores dados a curto e médio prazo comparando com os que receberam apenas acupuntura.
A longo prazo, entretanto, tal diferença não foi observada.
Conclusão
Com o levantamento desses estudos experimentais e/ou de revisão, pode-se concluir que a acupuntura, ou seus derivados, parecem ser estratégias interessantes para o tratamento da Epicondilite Lateral. Entretanto, é possível observar, como bem descrito por uma das revisões aqui discutidas, a grande heterogeneidade dos trabalhos publicados na área, não possibilitando, dentre outras coisas, estabelecer se essa possível melhora seria percebida a curto, médio ou longo prazo.
Ainda, embora seja um tema levantado como possibilidade de tratamento pela NIH em 2000, há poucos trabalhos finais com alto número de voluntários nessa área. Inclusive, os estudos mais promissores são estudos pilotos e, portanto, espera-se desdobramentos futuros dos mesmos.
Adicionalmente, é importante estar atento ao índice de possíveis vieses dos trabalhos tanto quanto à conclusão deixada. Portanto, embora bastante promissor, mais estudos científicos rigorosos devem ser conduzidos e publicados para melhores evidência da eficácia da acupuntura, ou seus derivados, para tratamento da Epicondilite Lateral.
REFERÊNCIAS
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Médico Fisiatra e Acupunturista, com Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Médico Coordenador e Colaborador do CEIMEC.
Médica Pediatra e Especialista em Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB (Associação Médica Brasileira).
Coordenadora do Curso de Especialização em Acupuntura do CEIMEC – Centro Integrado de Estudo em Medicina Chinesa
Médica colaboradora do Ambulatório de Acupuntura do Centro de Dor da Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Professora do Curso de Especialização em Acupuntura do CEIMEC – Centro Integrado de Estudo em Medicina Chinesa.